segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Nartueza Viva.




E desejá-lo assim, com todos os lugares-comuns do desejo, a esse outro tão íntimo que às vezes julgas desnecessário dizer alguma coisa, porque enganado supões que tu e ele vezenquando sejam um só, te encherá o corpo de uma força nova, como se uma poderosa energia brotasse de algum centro longínquo, há muito adormecido, todas as princesas de todos os contos de fadas desfilam por tua cabeça, quem sabe dessa luz oculta, e é então que sentes claramente que ele não é tu e que tu não serás ele, esse ser, o outro, que mágico ou demoníaco, deliberado ou casual te inflama assim de tolos ardores juvenis, alucinando tua alma, que o delírio é tanto que até supões ter uma. Queres pedir a ele que simplesmente sendo, te mantenha nesse atormentado estado brilhante para que possas iluminá-lo também com teu toque… Mas ele nada sabe, nem saberá se permanecerás assim, temeroso de que uma palavra ou gesto desastrados seriam capazes de rasgar em pedaços essa trama onde te enleias cada vez mais sem remédio, emaranhado em ti e tuas ciladas, em tua viva emoção sintética a ponto de parecer real…

Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa de paixão, será surpreso que o olharás agora, porque ele nada sabe de seu poder sobre ti, e neste exato momento poderias escolher entre torná-lo ciente de que dependas dele para que te ilumines ou escureças assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso negar-lhe o conhecimento desse estranho poder…

Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparada atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em alguma cheiro estranho o cheiro preciso dele.

Que não suspeitará da tua perdição, mergulhado como agora, a teu lado, na contemplação dessa paisagem interna onde não sabes sequer que lugar ocupas, e nem mesmo se estás nela… Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Por trás de todos os artifícios, só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado, acendes o abajur no canto da sala depois de apagar a luz mais forte no alto. E finalmente começas a falar.
Caio F.

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